segunda-feira, 6 de abril de 2015

O 20º aniversário de “A Próxima Vítima”, por Eduardo Caetano

Eduardo Caetano

No último mês de março, uma das mais sagazes tramas policiais produzida pela televisão brasileira completou 20 anos de estreia. Parando o Brasil, no dia 13 de março de 1995 foi ao ar o primeiro capítulo de “A Próxima Vítima”, novela de Sílvio de Abreu que inovou a narrativa do horário nobre global não por usar o suspense e o tradicional “Quem matou?” como elemento de seu folhetim, mas justamente por ser esta a trama principal.

“A Próxima Vítima”, que me ganhou aos 13 anos de idade já na abertura, foi pioneira inclusive no sentido de inverter a ordem do suspense, baseada em três questões: “Quem matou?”, “Por que matou?” e, acima de tudo, “Quem será ‘A Próxima Vítima’?”. Quando um personagem começava a ficar muito em evidência, e parecia ser o principal suspeito de cometer os assassinatos, dificilmente ele não era a próxima vítima.

As principais ligações da trama eram marcadas pelo elo entre os italianos ricos da família Ferreto, tradicional clã dono de um frigorífico, com as mulheres de “útero seco” (hoje a opinião pública não aceitaria a expressão); e os italianos pobres da família Mestieri, moradores de uma Mooca ainda bucólica, fora da realidade da década de 90, como já admitiu Sílvio de Abreu.

Marcelo (José Wilker) e Juca (Tony Ramos) foram criados como irmãos na Mooca. Amavam Ana (Susana Vieira), dona da “Pizzeria da Mamma”, no mesmo bairro. Ambicioso, Marcelo casou por interesse com Francesca Ferreto (Tereza Rachel) há 27 anos, após o assassinato de seu primeiro marido, Giggio di Angelis (Carlos Eduardo Dolabella) e manteve Ana como amante e mãe de seus filhos por mais de duas décadas. Juca, simplório e de bom coração, era dono de uma banca de frutas no Mercadão de São Paulo, que recebeu seu nome na vida real e até hoje é atração turística. Juca casou com outra mulher, teve filhos, ficou viúvo, e mantém um amor platônico por Ana, com quem teve um filho sem saber, numa recaída que ela teve há 20 anos numa das vezes que foi largada por Marcelo.

Quando Francesca descobre quem é a amante de Marcelo e tenta matá-lo, começa o estopim dos assassinatos em série, inclusive da própria Francesca, que no fim da trama é revelado como farsa. A megera, ao ver que Hélio foi envenenado após beber whisky na sala vip do aeroporto, simula a própria morte a fim de despistar o misterioso serial-killer.

E na pele da estudante de Direito Irene (Viviane Pasmanter) e do descolado investigador Olavo (Paulo Betti), vamos brincando de detetive e juntando todas as peças deste quebra-cabeça.

Uma São Paulo cúmplice dos crimes
Em “A Próxima Vítima” tivemos assassinatos de todas as formas, capazes de deixar Agatha Cristhie e Alfred Hitchcock com inveja. Paisagens tipicamente paulistanas se tornavam cenários sombrios e, praticamente cúmplices, dos assassinatos. A primeira cena era marcada pelo atropelamento de Paulo Soares (Reginaldo Faria), que depois tem sua real identidade revelada: Arnaldo Roncalho. O misterioso Opala preto (única pista explícita ao telespectador desde o primeiro momento) atropela a personagem numa movimentada avenida banhada pelas chuvas das águas de março. Depois, o duplo envenenamento de Hélio Ribeiro (Francisco Cuoco) e Francesca Ferreto (Tereza Rachel) no aeroporto, minutos depois de se reencontrarem.

O garçom Josias (José Augusto Branco) é empurrado na linha do metrô. Júlia Braga é perseguida pelo Opala preto e baleada. Ivete Bezerra (Liana Duval), idosa que fingia viver em estado vegetativo após um atentado, morta a pauladas. Cléber Noronha (Antônio Pitanga) é empurrado no poço do elevador, Ulisses Carvalho (Otávio Augusto) morre na explosão do depósito de gás da pizzaria e Eliseo Giardini (Gianfrancesco Guarnieri) é golpeado com um pé de cabra numa garagem e morre asfixiado com a fumaça dos escapamentos de todos os carros. Num flashback, ficamos sabendo que Leontina Mestieri (Maria Helena Dias) veio a óbito após uma queda de cavalo, que teve a sela sabotada.

Clima de máfia italiana com lista de horóscopo chinês
Todos os assassinatos estão interligados e no meio da trama descobre-se que as vítimas recebem uma misteriosa lista de horóscopo chinês com a frase: “Estão todos condenados”. Com o avançar da novela ficamos sabendo que o primeiro marido de Francesca foi assassinado e a trama é construída de forma a pensarmos que Marcelo foi o autor deste crime e, consequentemente, de todos os outros.

Somente no último capítulo. ficamos sabendo que Adalberto (Cecil Thiré) é o grande assassino. Ele foi seduzido por Francesca para matar Giggio com a promessa de que ela se casaria com ele. O “inútil”, como é chamado ao longo da trama pela dominadora Filomena Ferreto (Aracy Balabanian) comete o assassinato dentro de um iate, onde era comemorado o ano novo chinês, mas na verdade a megera armou tudo para se casar com Marcelo. Adalberto acaba se safando do flagrante, já que as testemunhas subornadas por Francesca acabam acusando um contador do Frigorífico, e se casando com a única irmã boa e fértil do clã Ferreto, Carmela (Yoná Magalhães). Tornam-se pais de Isabela (Claúdia Ohana), única herdeira da família e vilã da trama. Adalberto cai no mundo, vai morar na Boca do Lixo, e deixa Carmela na miséria.

Muitos anos depois, quando Carmela arruma um namorado mais jovem, Filomena, em nome da moral e dos bons costumes, decide que o ex-cunhado deve reatar o casamento com a irmã, despertando secretamente o ciúme de Eliseo, que sabe que Adalberto também arrastou uma asa para Filomena antes de casar com Carmela. Adalberto então começa a receber cartas ameaçadoras sobre o assassinato que cometeu e resolve eliminar uma a uma das testemunhas de seu crime, num requinte sarcástico com o envio da lista do horóscopo chinês para “alertá-las” sobre o motivo do trágico fim que as aguardava, como se quisesse “devolver na mesma moeda”.

No entanto, o que o nosso assassino só fica sabendo poucos capítulos antes do fim, é que a testemunha que lhe envia as misteriosas cartas é a única que ele não sabia que presenciou, ao longe, o crime da festa do horóscopo chinês, seu concunhado Eliseo.

Mais dois assassinatos
Nós, telespectadores, só ficamos sabendo de tudo no último capítulo. Os únicos crimes que conhecemos os autores são o de Andrea (Vera Gimenez), morta por Isabela com um tiro, e Romana (Rosamaria Murtinho), em assassinato planejado por Isabela e executado por Bruno (Alexandre Borges), no qual a vítima é dopada e jogada na piscina da mansão Ferreto. A derrocada dos vilões Bruno e Isabela é determinante para que Adalberto seja desmascarado.

Violência contra a mulher
A personagem Isabela protagonizou duas grandes, à época consideradas merecidas, cenas de violência contra a mulher que, se em 1995 chegou a mexer com os setores feministas e de direitos humanos, hoje seriam vetados integralmente. Após ter um caso com o marido de sua tia, Marcelo, Isabela é descoberta pelo noivo Diogo na cama com o “tio”, minutos antes do casamento. Vestida de noiva, Isabela leva uma surra de Diogo diante dos convidados. Após um bofetão, Isabela rola da escada da mansão dos Ferreto e ainda é chutada diversas vezes pelo noivo traído.

Meses depois, já casada com Marcelo, após matar Andrea, fingir uma gravidez, prejudicar Ana e Juca e até a própria mãe, Isabela se envolve com o marido de outra tia, Bruno. Eles são flagrados por Marcelo de madrugada, na mesa da cozinha, e após humilhar o marido, ele parte para cima dela com uma faca, deixando uma horrenda cicatriz em seu rosto.

Família negra de classe média
“A Próxima Vítima” foi a primeira novela, e talvez a única, a trazer uma família negra de classe média. O contador Cléber era casado com a secretária Fátima (Zezé Mota). São pais do gerente de banco Sidney (Norton Nascimento) e dos estudantes Jeferson (Lui Mendes), universitário, e Patrícia (Camila Pitanga), colegial que sonha ser modelo. Sidney namora a também secretária Rosângela (Isabel Filardis). Todos são negros e moram num apartamento na Aclimação. A empregada da casa, Marinete (Catarina Abdala) é branca.

A trama da família negra de classe média foi uma ousadia à época e parecia correr paralela à história principal. Sem ser panfletária, mostrava de forma natural que os negros estavam inseridos na sociedade, sem ocupar papeis subalternos, como até então era uma característica das telenovelas.

Aos poucos os personagens vão se envolvendo nas outras histórias do folhetim. Após o telespectador ganhar a simpatia da amizade entre Jeferson e Sandrinho (André Gonçalves), descobre-se que eles são namorados, aliás o primeiro casal gay sem estereótipos. E Cléber é uma das vítimas da lista do horóscopo chinês. No fim da trama, quando Sidney vai trabalhar no Frigorífico Ferreto, dona Fátima resolve revelar em depoimento a trama macabra do assassinato de Giggio di Angelis.

Final de Portugal
A novela fez tanto sucesso que o final foi gravado à portas fechadas, horas antes de sua exibição. E a versão de Portugal teve outro desfecho, que os brasileiros só assistiram na reprise. Nele, Ulisses era o grande assassino. Ele se passava pelo irmão de Ana para vingar a morte de seu pai, o contador acusado injustamente por Francesca. Para isso contava com a ajuda de Bruno, seu filho nesta versão.

Confesso que, quando vi a versão original, desconfiei de Ulisses. Sobretudo porque da "Pizzeria da Mamma" ele teve facilidade para se deslocar e matar Júlia, Ivete e Cléber. E fiquei feliz por ele ser cúmplice de Adalberto na primeira versão, já que, a mando do algoz, ficamos sabendo no último capítulo que ele envenenou e serviu o whisky para Hélio na sala vip do aeroporto.

Gostinho de quero mais
Poderia ficar narrando muitas outras coisas sobre “A Próxima Vítima”, já que nesses 20 anos assisti trechos mil em fitas VHS, youtube, reprises em canais abertos e fechados. Se fosse falar do humor que permeava a trama, como esquecer de Quitéria (Vera Holtz), Tonico (Selton Melo), Solange (Patrícia Travassos), Carla (Mila Moreira),Tia Nina (Nicete Bruno), Zé Bolacha (Lima Duarte), Tio Vitinho (Flávio Migliaccio) e a “bonitona do Morumbi” Helena (Natália do Vale)? Como esquecer ainda as cenas do primeiro mês na Itália, ao som de “Io che amo solo a te” (interpretado pelo cantor Sergio Endrigo) ou do carro de Andrea sendo retirado da represa Guarapiranga?



Racismo, homossexualidade e drogas foram abordados com coerência na trama, uma das primeiras a se propor a discutir de forma mais profunda tais temas.

A única crítica que faço é que, para mim, Juca e Ana terminariam juntos. Foram feitos um para o outro. Tinham química e molho, à moda da casa. Marcelo merecia ficar sozinho. Por mais que Ana o amasse, ele não cabia mais naquele universo.

Nos últimos minutos da novela, no melhor estilo de filme policial, mais uma vítima é assassinada. Um personagem misterioso e sensual interpretado por Cláudia Raia, eterna musa de Sílvio de Abreu, entra em cena somente para morrer. Quem era? Por que morreu? Quem matou? As três perguntas deram ao público a esperança de que a trama teria continuidade. Não teve. E foi melhor assim. O gosto do suspense, mesmo depois de 20 anos, até hoje é saboreado por seu público.


***
Ler significa reler, interpretar. Cada um lê com os olhos que tem e interpreta a partir de onde os pés pisam". Essa frase, do teólogo Leonardo Boff, resume bem a personalidade do jornalista Eduardo Caetano. Nascido em janeiro de 1982, ele é formado pela Universidade Católica de Santos e encontra nas observações, sempre muito coerentes a respeito da vida real e da teledramaturgia, respostas que distribui a quem está disposto a ouvir. Atua, também, como assessor de imprensa.

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